grande prazer

ceu1Vida de estrada. Manhãzinha bem fria em Frederico Westphalen. Hoje numa parada conheci um cara estranho, ele me disse que era poeta. Conversamos bastante. Pensei que ele era maluco, mas não era não. Ele me contou sobre o seu desejo de viver a arte, de transformar a arte para mudar a vida das pessoas. Me falou de atitudes cooperativas e da vontade que ele tinha de encontrar novas formas de expressão que superassem a visão do mundo geopolítica, desse mundo dividido por fronteiras e nações. Concordei na hora.

E terminou dizendo que não importa ser gaúcho, ou ser brasileiro, e que a 500 kms de qualquer cidade rio grandense, tu te torna um estrangeiro, é inevitável! E repetiu: é inevitável.

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proposta indecente

secv frederico westphalen desenho daniel eizirik
O dia todo de trabalho, todo mundo apressado. Parece que esse povo anda com a cabeça longe, resolvendo pepinos de ventos.
Sentado no meu banquinho,  a cidade parecia tão calma. Mas essa gente passando numa correria… pelo menos em Santa Rosa o povo respondeu meus ‘bom dia’s em meio aos passos ligeiros.
E só duas pessoas pararam pra mim. Uma senhora buscava presente pra neta, 4 anos, e uma mulher mais jovem me fez uma proposta indecente:
– Tu tá vendendo o cobertor?  E tu tá comprando também? É que meu sobrinho me trouxe uns 15 desses, igualzinhos aos teus pra eu vender. Mas arranjei um emprego e tô querendo me livrar desse monte de cobertor. 

Fico sentado, olhando… rabiscando. Sinto que tá chegando a hora de trocar de vida. Trocar de nome, de cidade. Trocar de idade, trocar de pai de mãe de avô de pele de ofícios. E definitivamente trocar de sapato.

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Êxodo e frio

Essa foi foda.

Trocando idéia, o dono do hotel me deu um desconto. Meu plano era sair às 6 da manhã pra pegar o ônibus das 7:00. Mas, me empolguei noite a dentro pintando e escrevendo. Pensei, “Bom, vou dormir até perto do meio dia, do meio dia as 16 tento vender alguma coisa na rua e, depois disso, me toco pra estrada, pra chegar na minha cidade.”
Mas não foi isso que aconteceu.

As 9 horas da manhã, o porteiro do hotel bateu na minha porta. Eu sou o único cliente do hotel e ele vai sair e trancar, vai fechar o hotel, e eu tenho que juntar minhas coisas e ir embora. Como assim? É Corpus Christi, ele me responde, ainda esmurrando a porta, em um tom que não admite represália, nem tempo de escovar os dentes.

Na rua vazia, ainda zonzo de sono, faz um dia muito azul e muito frio. Estou carregado até não poder mais de cobertores isqueiros tetas de plástico ralos japoneses. Mal consigo caminhar. Vou pra rodoviária e vejo que as linhas estão suspensas por hoje, afinal, é Corpus Christi. Tomo a decisão de não ficar nem mais um segundo em uma cidade tão santa. O motorista de um ônibus que acaba de chegar me diz que a estrada está movimentada no sentido de Palmitinhos, muitos carros passando em um trevo dali a quatro quadras. Lá vou eu.

É pra esse trevo que eu vou, a pé, cheio de malas malinhas e maletas. Passo algum tempo queimando a cara na estrada, o dedão no vento, até arranjar carona em um caminhão que leva sal mineral pra criação de porcos. Quando ele vê minhas maletas pergunta se estou de mudança. Digo a ele que sou artista, estou indo pra Alecrim fotografar a cidade, que vai ser inundada na construção de uma hidrelétrica. Ele se dá por satisfeito, apesar disso não explicar o volume da minha bagagem, cheia de cobertores e isqueiros estampados, hologramas, livros, tetas de plástico, guardachuvas de cabeça.

jesus maria 3d caixeiro viajante
Depois de dormir em Leonidas Marques, ainda no Paraná, e quase ser parado na estrada por um carro cheio de pica-pau (a polícia rodoviária paranaense usa quepe vermelho), cheguei ao norte do Rio Grande do Sul. Véspera de Corpus Christi, vendi todo meu estoque de hologramas de Jesus/Maria.
Aleluia!

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