Confundi 8 horas da manhã com com 8 horas da noite. A Vanessa me vira mesmo a cabeça. Perdi o ônibus. Peguei carona com um motorista de linha amigo meu que ia pro outro lado e parei na BR. Pouco capital de giro. Dedão pro ar sempre funciona. Espero com as malas. Pelo menos não chove.
O Bandeirinha tem 20 anos de idade, um pai um irmão e um avô caminhoneiros, e dirige uma carreta de nove toneladas e meia. Ele às vezes dirige por dezenas de horas seguidas, vai e volta de São Paulo.
No parachoque, um painel eletrônico que passa mensagens. Amantes da Lua. Enquanto alguns dormem, os loucos fazem o Brasil funcionar. Segui meu sonho para o orgulho do meu pai e desespero da minha mãe. Ele tem os olhos cansados e a pele queimada. Eu ali, cheio de malas na estrada e foi ele que parou o seu caminhão.
Pra onde tu tá indo?
Santa Rosa.
Bãi, é longe. Fim do dia eu paro em Três Passos, que é caminho. E ainda tenho duas paradas pra descarregar.
Fechou, vamo. – Falo começando a subir minha bagagem.
E tu tá de mudança? – ele pergunta apontando para as malas e sacolas.
Não. É que eu to indo pra Alecrim, tirar umas fotos, fazer uns desenhos, vender uns livros.
Ah tá.
desenhando no caminhão
Durmo sacolejando boa parte da viagem. Em duas fazendas diferentes eu desço do caminhão para abrir e/ou fechar uma porteira, e ainda ajudo a descarregar os sacos de sal. Cada saco pesa 20 kilos. Foram uns 50 em uma e mais uns 100 em outra. Os porcos nas duas fazendas são enormes. Porcas imensas amamentando porquinhos em cercas de grade, mordendo a grade, uma do lado da outra na lama. Para os fazendeiros aquele é um ensolarado dia de trabalho. Para o caminhoneiro, que só tem 20 anos, é o retorno de sua jornada semanal de quase 24 horas dirigindo sem parar.
Os olhos dos porcos eram assustadoramente humanos, os olhos dos fazendeiros levemente desumanos, os meus. Fiz uns desenhos no caminhão.
Depois de horas de carona, inclusive atravessando o rio Uruguai com o caminhão em uma balsa, desço em Três Corações, em um posto de beira de estrada onde passam vários caminhões e carros em geral. Lá, consigo pegar carona com o Seu Sady Turco, um senhor sírio libanês de idade, muito falante, que faz questão de me deixar no destacamento da Brigada Militar em Santa Rosa.
Agradeço efusivamente, e digo que me deixar na rodoviária vai ser bom, próximo dali deve ter uma pousada barata, e já confiro os ônibus de amanhã para Alecrim. Já estou ficando nervoso quando consigo convencer ele, que pareceu mais ou menos convencido pela minha resposta quando perguntou o porque de tantas malas (-sou artista, vou pra Alecrim).
Agradeço o Seu Sady Turco, estou em Santa Rosa e faz um frio de Lascar. Se tudo der certo, amanhã chego em Alecrim.